Vem aí a PEC da Impunidade. E você deveria prestar atenção nela

Deputados e senadores querem limitar ações policiais e processos judiciais contra eles mesmos

Guerra comercial. Aumento do custo de vida. Injustiça tributária. Mudanças nas relações de trabalho. Revolta com as mudanças nas relações de trabalho. Tecido social esgarçado. (In) segurança pública. Violência policial. Golpes online cada vez mais sofisticados.

O que não falta, no Brasil hoje, são temas que afetam diretamente sua e a minha vida de modo direto. Qualquer um poderia citar os desafios da lista acima como questões urgentes que deveriam pautar o debate público.

As lideranças partidárias sabem disso, mas do nada decidiram votar um outro assunto em regime de urgência: como blindar parlamentares de operações policiais e processos judiciais?

Só se fala de outra coisa nos pontos de ônibus de todo o país.

O desafio está contido na PEC das Prerrogativas, nome que tem tanta possibilidade de atrair a atenção da opinião pública quanto uma partida da Série D do Campeonato Brasileiro e Bocha. É aí que mora o perigo.

Na surdina, o Congresso tenta retomar as regras previstas originalmente na Constituição de 1988, quando deputados e senadores só podiam ser investigados criminalmente com autorização prévia dos colegas.

Eram os tempos do corporativismo político, independentemente da bandeira dos investigados. Protegia-se o colega para se proteger do futuro.

Em 2021, o então deputado (e atual ministro do Turismo) Celso Sabino (União Brasil-PA) idealizou a volta ao passado como uma forma de brecar no presente prisões de parlamentares como Daniel Silveira, detido após uma série de ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal.

O projeto de Sabino basicamente diz que se um deputado ameaçar bater em um juiz, como fez Silveira, só os pares podem julgá-lo, mesmo que haja indiciamento, denúncia e pedido de prisão formal. 

A não ser que a condenação criminal tenha apoio de dois terços do STF – hoje basta maioria simples.

O projeto recém-retomado -- e temporariamente suspenso após muita pressão -- quer impedir a prisão em flagrante de deputados e senadores. A exceção são os crimes inafiançáveis, como tráfico e tortura.

Busca também limitar o alcance de prisão preventiva e medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. 

Tudo isso está incluído no Pacote da Impunidade, e tem razões óbvias para serem tiradas da cartola agora.

Uma delas é o avanço das investigações, no STF, sobre desvios em emendas. Ali a ordem dos defensores entre os pares é a versão adaptada de uma música conhecida do início dos anos 2000: a luta de Flávio Dino pega um, pega geral e também vai pegar você.

Também entra em pauta no momento em que parlamentares promovem motins e atrapalham o andamento dos trabalhos na Casa.

E prometem fazer mais em protesto contra uma possível prisão de Jair Bolsonaro (PL).  É um 8 de janeiro de engravatados.

Dois integrantes do grupo já até deixaram o país para não se enroscarem com a Justiça.

Carla Zambelli (PL-SP) se mudou para a Itália após ser condenada por mandar um hacker invadir o sistema do CNJ e falsificar um mandado de prisão de Alexandre de Moraes contra ele mesmo.

Se a norma da blinagem já valesse, ela estaria até agora caçando desafetos com armas em punho nas ruas sob o argumento do direito à defesa e da própria imunidade.

Outro que faz o que lhe dá na venta é Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que aproveita a estadia nos Estados Unidos para tramar contra autoridades brasileiras e produz provas contra ele mesmo no próprio país.

Se a boiada da impunidade já tivesse passado, ele poderia pousar em Brasília sem qualquer constrangimento. Só responderia por seus atos se os amigos do pai quisessem – e os integrantes do centrão, igualmente temerosos com uma eventual prisão, também.